Foi aprovada a Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, que estabelece o regime geral de proteção de denunciantes de infrações, que transpõe a ’Diretiva de Whistleblowing’ (Diretiva (UE) 2019/1937 relativa à proteção dos denunciantes) para a ordem jurídica portuguesa. 

A publicação desta lei surge no contexto da estratégia anticorrupção aprovada pela Assembleia da República e introduz um elenco muito variado de direitos para os denunciantes e obrigações e procedimentos obrigatórios para as empresas.
Este regime é aplicável às denúncias em matéria de:
contratação pública;
(ii) mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo;
(iii) segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem-estar animal;
(iv) saúde pública;
(v) proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação;
(vi) criminalidade violenta e organizada, entre outras.

Quanto aos beneficiários da proteção, a lei é clara quando apenas considera como ‘’denunciante’’ as pessoas singulares que denunciem ou divulguem publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional independentemente da natureza da atividade e do setor em que é exercida.
A atividade profissional não fica limitada às relações laborais em vigor, incluindo relações que já cessaram, negociações pré-contratuais ou processos de recrutamento. Titulares de participações sociais e membros de órgãos sociais de pessoas coletivas, voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados, são apenas alguns dos exemplos de pessoas que podem beneficiar da proteção desta lei.
Para beneficiar da proteção, apenas se exige que o denunciante atue de boa-fé, e tenha fundamento sério para crer que as informações são verdadeiras, no momento da denúncia ou da divulgação pública.

Para além do denunciante, a proteção da lei estende-se àqueles que se relacionam com este, estando abrangidas
as pessoas singulares que auxiliem, de forma confidencial, o denunciante no procedimento de denúncia, nomeadamente, os representantes sindicais;
(ii) o terceiro que esteja ligado ao denunciante que possa ser alvo de retaliação num contexto profissional e
(iii) as pessoas coletivas ou entidades equiparadas que sejam detidas ou controladas pelo denunciante, para as quais este trabalhe ou com as quais esteja de alguma forma ligado num contexto profissional.

Para efetuar a denúncia, a lei prevê a existência de:
Canais internos;
Canais externos (geridos pelas autoridades competentes); e
Divulgação pública.

Os canais internos de denúncia são obrigatórios para as entidades do setor privado e do setor público que empreguem 50 ou mais trabalhadores e ainda para as pessoas coletivas que desenvolvam a sua atividade nos domínios dos serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (‘’entidades obrigadas’’).
Ficam, porém, excluídas desta obrigação as autarquias locais que, não obstante empregarem 50 ou mais trabalhadores, tenham menos de 10.000 habitantes.

Os canais de denúncia interna têm de obedecer a determinados requisitos:
têm de garantir a apresentação e o seguimento seguros de denúncias, a fim de garantir a exaustividade, integridade e conservação da denúncia;
(ii) têm de assegurar a confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia e
(iii) têm de impedir o acesso de pessoas não autorizadas.

Os canais de denúncia interna podem ser operados:
internamente, para efeitos de receção e seguimento de denúncias, por pessoas ou serviços designados para o efeito ou
(ii) externamente, para efeitos de receção de denúncias.
Em qualquer dos casos, a lei prevê que deve ser garantida a independência, a imparcialidade, a confidencialidade, a proteção de dados, o sigilo e a ausência de conflitos de interesses.

A apresentação das denúncias poderá fazer-se por escrito, verbalmente ou de ambas as formas. Neste contexto, admite-se enquanto denúncia verbal, aquela que seja efetuada através de mensagem de voz, ou, a pedido do denunciante, em reunião presencial.

O denunciante só pode recorrer a canais de denúncia externa quando:
não exista canal de denúncia interna;
(ii) o canal de denúncia interna admita apenas a apresentação de denúncias por trabalhadores, não o sendo o denunciante;
(iii) tenha motivos razoáveis para crer que a infração não pode ser eficazmente conhecida ou resolvida a nível interno ou que existe risco de retaliação;
(iv) quando, embora o denunciante tenha inicialmente apresentado a denúncia internamente, não sejam comunicadas, nos termos legalmente previstos, as medidas previstas ou adotadas na sequência da denúncia ou
(v) a infração constitua crime ou contraordenação punível com coima superior a 50 000 euros.

Por sua vez, a divulgação pública só poderá ocorrer em circunstâncias muito excecionais, nomeadamente quando o denunciante tenha motivos para crer que:
a infração pode constituir um perigo iminente ou manifesto para o interesse público;
a infração não possa ser eficazmente conhecida ou resolvida pelas autoridades competentes, atendendo às circunstâncias específicas do caso ou
existe um risco de retaliação inclusivamente em caso de denúncia externa ou
tenha apresentado uma denúncia interna e/ou uma denúncia externa, sem que tenham sido adotadas medidas adequadas nos prazos previstos para o efeito.
Quanto ao procedimento a adotar, as entidades obrigadas devem, no prazo de sete dias após a receção da denúncia, notificar o denunciante da receção e dos requisitos para apresentação de denúncia através de canais externos geridos pelas autoridades competentes e no prazo máximo de três meses comunicar as medidas previstas ou adotadas para dar seguimento à denúncia.

Mediante solicitação do denunciante, as entidades obrigadas têm ainda de lhe comunicar o resultado da análise efetuada à denúncia no prazo de quinze dias após a sua conclusão.

Quanto às medidas de proteção do denunciante, a lei estabelece, entre outras, as seguintes garantias:
Confidencialidade da identidade do denunciante, que só poderá ser revelada por força de uma obrigação legal ou decisão judicial, precedidas de comunicação ao denunciante indicando os motivos da divulgação;
Proibição de retaliação contra o denunciante, incluindo, para o efeito, a inversão do ónus da prova e a presunção de que determinados atos, como sejam alterações de condições de trabalho ou a aplicação de uma sanção disciplinar, quando praticados até dois anos após a denúncia ou a divulgação pública, são motivados pela denúncia ou divulgação pública.
Proteção jurídica nos termos gerais, como a proteção para testemunhas em processo penal; e
Não aplicação de responsabilidade disciplinar, civil, contraordenacional ou criminal nos casos de denúncia ou divulgação pública de infrações feitas de acordo com os requisitos impostos pela lei.

A violação destas regras constitui contraordenação, cujo procedimento compete ao Mecanismo Nacional Anticorrupção, e que podem variar nos seguintes termos:
Entre € 1.000 a € 25.000 (pessoas singulares) ou € 10.000 a € 250.000 (pessoas coletivas), em caso de contraordenação muito grave, nomeadamente: impedir a apresentação ou não dar seguimento à denúncia; prática de atos retaliatórios; violação do dever de confidencialidade; comunicação ou divulgação pública de informações falsas.
Entre € 500 a € 12.500 (pessoas singulares) ou de € 1.000 a € 125.000 (pessoas coletivas), em caso de contraordenação grave, nomeadamente: não dispor de canal de denúncia interno ou dispor de um canal interno sem garantias de exaustividade, integridade ou conservação de denúncias ou de confidencialidade da identidade ou anonimato dos denunciantes ou de terceiros mencionados na denúncia, ou sem regras que impeçam o acesso a pessoas não autorizadas; não comunicação ao denunciante do resultado da análise da denúncia, se este a tiver requerido; não dar formação aos funcionários responsáveis pelo tratamento de denúncias; não registar ou não conservar a denúncia recebida pelo período mínimo de cinco anos ou durante a pendência de processos judiciais ou administrativos.

Tendo presente a adaptação aos novos procedimentos e obrigações, a lei prevê um período transitório de 180 dias, pelo que entrará em vigor no dia 18 de junho de 2022.

Durante o primeiro semestre de 2022, as empresas deverão preparar-se, estabelecendo um canal de denúncia, que permita a salvaguarda das garantias de confidencialidade, anonimato e independência, previstas na lei, e com procedimentos bem definidos para dar seguimento às denúncias nos prazos legais, sem retaliações.